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ESCOLAS

por Mestre Nuno Russo

O jogo do pau actual divide-se em duas grandes escolas que por sua vez se subdividem em diferentes «estilos», conforme as várias regiões e o jeito próprio de cada um dos mestres ou jogadores. Estas duas grandes escolas, que se situam em áreas geográficas diferentes, são chamadas a ESCOLA do NORTE e a ESCOLA de LISBOA.

A Escola do Norte tem a feição predominante do jogo de combate, mais duro e rude e com características acentuadamente rurais, a que dá o verdadeiro sentido do jogo do pau Português. Tecnicamente caracteriza-se por um jogo, sobretudo às duas mãos, quase sempre aproveitando a rotação do pau tanto no ataque como na defesa (guardas em movimento). É um jogo a curta distância mas com uma espantosa maleabilidade pluridireccional, ideal, sobretudo no combate contra vários adversários. É o chamado jogo de feira ou varrimento. Aqui todo o treino é orientado no sentido de proporcionar as diversas circunstâncias do combate real contra vários adversários.

Em «Fafe», terra de grandes tradições de jogo do pau (basta recordar a tão temida «Justiça de Fafe», na qual o símbolo de execução da justiça é representado por um grande cacete), além de todo este manancial técnico, conservou-se ainda um tipo de jogo muito antigo (descendente directo do antigo jogo minhoto). Este tipo de jogo é usado apenas num combate de homem para homem, não surtindo qualquer efeito quando usado contra mais de um adversário. Se bem que nesta técnica haja um desaproveitamento em espaço e potência das possibilidades de ataque com um modelo actual de pau, isto porque aqui ele é seguro ao meio com as duas mãos afastadas (desaproveitamento da distância) e os ataques são feitos directamente e não em rotação (desaproveitamento da potência), no que respeita às defesas, pelo contrário, porque também são feitas directamente e usando a força conjunta dos braços e corpo, permite uma maior rapidez e certeza na sua execução. Por outro lado, esta técnica é francamente eficaz em combate, quando a distância é muito curta.

Nos tempos áureos do jogo nortenho, em que o jogo era «a matar», não havia de observar regras e todos os meios e golpes se usavam, constituindo a mestria somente uma garantia maior de vencer. Por vezes, nesses combates «a matar», o pau era munido, numa das pontas de uma lâmina ou choupa, recoberta de uma cápsula de metal que se arrancava quando a luta era eminente. Outras vezes, em vez desta lâmina usava-se uma pequena foice (a foice roçadora), que era um instrumento usado pelo homem do campo principalmente para cortar silvas e outras ervas daninhas, e que se encaixava no pau por meio do seu cabo que era oco, servindo também para estes fins bélicos.

Existia, no entanto, uma espécie de «código táctico», que os bons jogadores seguros de si, e de um modo geral, as pessoas bem-formadas, não deixavam de cumprir, o que exprimia o próprio valor do jogo: não se atacava o inimigo que não levasse pau. Quintas Neves mostra o «Manilha» atirando o seu pau para o chão depois de com ele ter desarmado e desmoralizado totalmente três adversários que lhe haviam saltado ao caminho. E ouvimos a história de um grande jogador do Porto, o Carvalho, feirante de gado, que na feira do «26» em Angeja, perto de Aveiro, depois de se ter aguentado sozinho contra todos os que ali se encontravam coligados, tropeçou e caiu no chão, tendo então o mais forte dos seus adversários saltado por cima dele, em sua defesa, intimando os demais a não tocarem no valente, sob pena de terem de se bater também com ele.

A chamada Escola de Lisboa engloba não só a técnica do jogo do pau praticada na capital portuguesa como também aquela que é praticada no Ribatejo e no resto da Estremadura. Nesta zona Sul predominou, durante largos anos, o jogo desporto e o «assalto» de exibição. Ao contrário do jogo nortenho, em que o jogador se preparava sobretudo para enfrentar vários adversários, o jogo de Lisboa, de características desportivas, cultivou o chamado «contrajogo», que é aquele em que se opõem apenas dois adversários. Esta escola é uma modificação relativamente recente da ESCOLA do NORTE, adaptada para o combate de homem para homem, e que atingiu o seu auge no início deste século, em Lisboa, com o grande mestre Frederico Hopffer que estudou e codificou a sua técnica. Diferencia-se do contrajogo da ESCOLA do NORTE, principalmente por haver agora uma cooperação em percentagem igual do trabalho das pernas e da vara, ao passo que aquela é fundamentalmente baseada no trabalho da vara, estando o movimento das pernas inteiramente dependente desse mesmo trabalho. Além desta diferença fundamental, temos ainda a notar os ataques que são executados principalmente com uma só mão, facto que vem contribuir para um alcance ainda maior no comprimento destes; as defesas (mais vulgarmente chamadas cobertas) que são feitas directamente e não aproveitando o movimento de rotação de pau e também o uso dos «cortes» (pancadas destinadas a prejudicar activamente o efeito da outra pancada que não foi tomada com uma guarda), técnica revolucionária que faz parte da fase avançada das escolas de Lisboa. Na região do Ribatejo acontecia, porém, que, à semelhança do que se passava no Norte de Portugal, os homens iam também para a feira, bailes e certas festividades, munidos do seu pau, e não raro havia desacatos e lutas de pau. Mas essas lutas, conquanto densas de carga agressiva, diferem essencialmente das batalhas campais que eram vulgares nas regiões do Norte, as quais se relacionam estreitamente com as estruturas tradicionais dessa zona, os padrões da cultura local, os conceitos e a visão do mundo das gentes dali.

Mestre Ferreira, minhoto radicado em Lisboa, conhecedor profundo da Escola do Norte assim como da Escola de Lisboa, sobretudo no estilo dos mestres do Ateneu Comercial de Lisboa e do estilo do mestre Frederico Hopffer, de quem foi honroso sucessor, estudou, aperfeiçoou e codificou estas duas grandes escolas, do Norte, de Lisboa, formando um estilo próprio, onde se não distinguem já nem uma nem outra, estando ambas inseridas nesta nova grande escola.

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